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sábado, 2 de fevereiro de 2013

Tudo que pivota é ouro, por Pepe Escobar

Pepe Escobar – analista de crises em geopolítica, comentarista, gênio!

Para citar a linha imortal de O Falcão Maltês de Dashiell Hammett, [1] na versão filmada por John Huston, “Falemos sobre o pássaro preto”. Conversemos sobre a misteriosa ave feita de ouro. Sim, sim, porque esse é film noir digno de Dashiell Hammett – que envolve o Pentágono, Pequim, guerras clandestinas, pivoteamentos e muito, muito ouro.

Comecemos com a posição oficial de Pequim: “Não temos ouro que chegue”. Daí o atual frenesi de comprar, comprar, comprar, no qual mergulhou a China – e o qual, sobretudo em Hong Kong, qualquer um vê, ao vivo, em tempo real. A China já é (i) o maior produtor de ouro e (ii) o maior importador de ouro do mundo.

70% das reservas de EUA e Alemanha são ouro; mais ou menos a mesma proporção, também para França e Itália. A Rússia – que também entrou em frenesi de comprar, comprar, comprar, comprar – é pouco acima de 10%. Mas a porcentagem de ouro nos estonteantes US$3,2 trilhões das reservas chinesas é de apenas 2%.

Pequim acompanha atentamente o bate-cabeça no New York Federal Reserve, depois que o German Bundesbank pediu a devolução do ouro alemão que lá estava depositado, e os americanos responderam que demoraria no mínimo sete anos para devolverem tudo.

Lars Schall

Lars Schall, jornalista alemão especializado em finanças, acompanha o caso desde o início [2] e, praticamente sozinho, sem qualquer ajuda, conseguiu unir duas pontas cruciais do movimento entre ouro, papel moeda, recursos energéticos e o abismo dos abismos ante o qual vive hoje o petrodólar.

Pequim diz que precisa de mais ouro, para proteger-se contra a ameaça de desastre “nas reservas estrangeiras” – também chamada flutuação do dólar norte-americano – mas especialmente para “promover a globalização do Yuan”. E também, para, suavemente, fazer o Yuan competir com o dólar dos EUA e com o euro “com justiça” [3] no “mercado internacional”.

E aí está o nebuloso (elusivo) xis da questão. O que Pequim realmente quer é livrar-se do dólar norte-americano, essa canga. Para que isso aconteça, a China precisa de ouro, ouro, imensas reservas de ouro. E eis Pequim que se pivoteia, do dólar norte-americano para o Yuan – e está tentando levar com ela, pelo mesmo caminho, vastas fatias da economia global. A “regra de ouro”, o “corte de ouro” é o Falcão Maltês de Pequim: “Dessa matéria se fazem os sonhos”.

O drone X-47B Unmanned Air System Combate (UCAS) é apresentado no convés de vôo do porta-aviões USS Harry S. Truman em 9/12/2012

“Drone próprio, Aceita viajar…” [4]
O Qatar também se pivoteia – mas pivô à moda MENA (Middle East-Northern Africa). Doha tem financiado wahabbistas e salafistas – e até jihadistas salafistas – como os “rebeldes” da OTAN na Líbia; as gangues do chamado Exército Sírio Livre na Síria e a gangue panislamista que tomou o norte do Mali.

O Departamento de Estado – e mais tarde o Pentágono – talvez até se tenham dado conta do que acontecia; foi quando tentaram, como no acordo conduzido conjuntamente por Doha e Washington, criar uma nova “coalizão” síria, mais palatável.

Mas continuam ativadas, potentes e extremamente perigosas as relações entre o francófilo Emir do Qatar e o Quai d'Orsay em Paris – que já vinham ganhando gás e mais gás durante o reinado do Rei Sarkô, também chamado Nicolas Sarkozy, ex-presidente francês.

Observadores bem informados de geopolítica já vêm seguindo, vazamento a vazamento (que pingam semanalmente, de um ex-funcionário do serviço secreto francês, para o semanário satírico Le Canard Enchainé), e que detalham o modus operandi do Qatar. É simples. A política externa do Qatar atende também pelo nome Fraternidade Muçulmana Aqui, Lá, por Toda Parte (menos dentro do emirado neofeudal): eis o Falcão Maltês do Qatar. Ao mesmo tempo, Doha – para gozo das elites francesas – é praticante ativo de neoliberalismo hardcore e forte investidor na economia francesa.

Assim sendo, os interesses de França e Qatar são complementares: interessa a ambos os governos promover o capitalismo de desastre – como já foi implantado com sucesso na Líbia, mas ainda não conseguiram implantar com sucesso na Síria. O Mali, sim, é outra coisa: caso clássico de volta do chicote no lombo do chicoteador, e é aí que os interesses de Doha e Paris divergem (para nem falar de Doha e Washington. E, pelo menos, se ninguém entender que o Mali serviu como perfeito pretexto para dar alma nova ao AFRICOM dos EUA).

Na Argélia, a imprensa manifesta-se ultrajada e questiona a agenda do Qatar. [5] Mas fato é que o pretexto – como se previa que funcionasse – funcionou perfeitamente.

Carter Ham

O COMANDO DOS EUA NA ÁFRICA, AFRICOM – surpresa! – está numa roda viva, com o Pentágono ultimando os preparativos para instalar uma base de drones no Niger. [6] Eis o resultado prático da visita que o comandante do AFRICOM, general Carter Ham, fez a Niamey, capital do Niger, há poucos dias.

Esqueçam as velharias PC-12 de propulsão a jato que há anos espionam o Mali e a África Ocidental. Agora, é tempo de Predator. Tradução: o chefe-no-aguardo, John Brennan, planeja uma guerra-clandestina-monstro da CIA, por todo o Saara-Sahel.

Com a permissão de Mick Jagger/Keith Richards, é hora de cantarolar aquele velho sucesso, remixado: “Vejo um drone cor de rato/quero o bicho pintado de preto”. [7]
John Brennan

Para o AFRICOM norte-americano, o Niger é mais doce que mamão no açúcar. No noroeste do Niger estão todas aquelas minas das quais sai o urânio que faz girar a indústria nuclear francesa. Ali, pertinho das reservas de ouro do Mali. Imaginem todo aquele ouro, em área “instável’ e caindo em mãos de… empresas chinesas?! Pequim teria chegado ao seu momento falcão maltês, e teria ouro suficiente para livrar-se da canga do dólar norte-americano, a coisa estaria ali, ao alcance da mão.

O Pentágono já conseguiu autorização até para que essa máquina infernal de vigilância e espionagem se reabasteça – onde? Onde? – em Agadiz, crucial Agadiz. É provável que a Legião Estrangeira francesa já esteja fazendo a parte mais dura do trabalho de campo no Mali, mas o AFRICOM, não a França, colherá os lucros do que lá está sendo feito, por todo o Sahara-Sahel.

Não conhece o pássaro (asiático)?

O que nos traz de volta àquele famoso pivoteamento na direção da Ásia – que se supôs que fosse o principal tema geopolítico do governo Obama 2.0. Talvez até seja. Mas aparecerá acompanhado, já ninguém duvida, pelo pivoteamento do AFRICOM por todo o Sahara/Sahel, em modo drone – para crescente irritação em Pequim; e também pelo pivoteamento de Doha-Washington, que pivoteiam feito loucas em apoio a ex-“terroristas” convertidos em “combatentes da liberdade” e vice-versa.

E ainda sequer se comentou um pivoteamento-zero também incluído nessa trama noir: o governo Obama 2.0 não afrouxa o assustador abraço que o associa à medieval Casa de Saud cum “estabilidade na Península Arábe” – como recomenda um dos suspeitos de sempre, muito medíocre (embora influente) “veterano oficial da inteligência”. [8]

Play it again, Sam. Naquela cena de O Falcão Maltês, no início do “caso” entre Humphrey Bogart (digamos que represente o papel do Pentágono) e Sydney Greenstreet (digamos que represente Pequim), o oficial é o terceiro que se vê ali. [9] O pivoteamento para a Ásia é invenção, essencialmente de Andrew Marshall, [10] conhecido totem-Yoda [11] da segurança nacional nos EUA.

Andrew Marshall

Marshall esteve por trás da Revolução em Assuntos Militares [orig. Revolution in Military Affairs (RMA)] – tudo que todos os fãs freaks de Donald Rumsfeld mais apreciam; foi “o cérebro” da fracassada operação “Choque e Pavor” (que só serviu para destruir o Iraque além de qualquer “reconstrução” possível, com capitalismo de desastre & tudo); e ainda é “o cérebro”, hoje, por trás do conceito de “Batalha Ar-Mar”. [12]

A premissa da “Batalha Ar-Mar” é que Pequim atacará as forças dos EUA no Pacífico – ideia ridícula, sinceramente (mesmo que se encene operação fantasticamente imensa, em que os EUA se autoataquem, a ser apresentada como “deflagradora” da retaliação). Em seguida, então, os EUA retaliariam, com uma “blinding campaign” [para cegar o inimigo] – equivalente naval da Operação Choque e Pavor. A Força Aérea e a Marinha dos EUA, ambas, adoraram o “conceito”, porque implica muitos negócios de equipamento pesado para mobiliar e armar muitas bases pelo Pacífico e em outros pontos.

Assim sendo, mesmo que a contraguerrilha à moda David Petraeus tenha-se pivoteado e recebido ares de “guerras de sombras” da CIA de John Brennan, o grande negócio pelo qual tantos salivam é, sim, o pivoteamento na direção da Ásia: uma pseudoestratégica, concebida exclusivamente para manter o orçamento do Pentágono em níveis exorbitantes, inventando e promovendo uma nova Guerra Fria, dessa vez contra a China.

“Nunca conseguirão juntar ouro suficiente para impor ao mundo seus projetos maléficos” – quase se ouve a voz de Marshall, sobre a China (sem a elegância e o aplomb de Bogart ou de Greenstreet, claro). Hammett ficaria horrorizado: o falcão maltês de Marshall é a substância de que se fazem os sonhos (de guerra).

Naval Brasil

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